quarta-feira, 23 de março de 2016

Pablo Neruda : A Lua no Labirinto







Pouco a pouco e também muito a muito

me aconteceu a vida,

e que insignificante é este assunto:

estas veias levaram

sangue meu que poucas vezes vi,

respirei o ar de tantas regiões

sem guardar para mim uma amostra de nenhum

e afinal de contas já o sabem todos:

ninguém leva nada de seu

e a vida foi um empréstimo de ossos.

O belo foi aprender a não se saciar

da tristeza nem da alegria,

esperar o talvez de uma última gota,

pedir mais ao mel e às trevas.


Talvez fui castigado:

talvez fui condenado a ser feliz.

Fique afirmado aqui que ninguém

passou perto de mim sem me compartir.

E que meti a colher até o cotovelo

numa adversidade que não era minha,

no padecimento dos outros.

Não se tratou de palma ou de partido

mas de pouca coisa: não poder

viver nem respirar essa sombra,

com essa sombra de outros como torres,

como árvores amargas que o enterram,

como pancadas de pedra nos joelhos.


A tua própria ferida se cura com pranto,

a tua própria ferida se cura com canto,

mas a tua porta mesmo se dessangra

a viúva, o índio, o pobre, o pescado,

e o filho do mineiro não conhece

o seu pai entre tantas queimaduras.

Muito bem, mas o meu ofício

foi

a plenitude da alma:

um ai de gozo que te corta a respiração,

um suspiro de planta derrubada

ou o quantitativo da ação.


Eu gostava de crescer com a manhã,

embeber-me de sol, com pleno gozo

de sol, de sal, de luz marinha e onda,

e nesse avanço da espuma

fundou meu coração seu movimento:

crescer com profundo paroxismo

e morrer se derramando na areia.

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