terça-feira, 13 de agosto de 2013

Santo Agostinho e o Tempo



 
 
 

 Fundamentalmente, poder-se-ia dizer que todo aquele que buscar pensar o fazer historiográfico deparar-se-á com a problemática do tempo. O que é o tempo? Passado, presente e futuro são divisões corretas do tempo? Quais os limites dos tempos? Qual a relação do tempo com o fato? Um dos filósofos que mais aprofundou-se na temática foi Santo Agostinho. Ele realizou uma gama de indagações acerca desta temática. Inicialmente, indaga-se:

Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem o poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais familiar e mais batido das nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente. (AGOSTINHO, p. 322, 2004).

De acordo com o pensamento Agostiniano, ainda que cada ser humano tenha uma percepção acerca do tempo, não se consegue verbalizá-la. Poder-se-ia dizer que transformar em palavras aquilo que se pensa acerca do tempo é algo que beira a impossibilidade.

Continuando sua análise, Santo Agostinho questiona a própria existência do tempo. Se o presente fosse sempre presente seria eterno, logo jamais existiria passado e futuro. Se o futuro de ontem é o presente de hoje e será o passado de amanhã, então a existência de qualquer dos tempos é condicionada à existência dos demais tempos, que deixarão de existir ou não mais existem, logo, a própria existência do tempo é uma incógnita, repleta de “não mais é”; “se o é já não se sabe, pois já foi ou será” e de “nunca foi”.

De que modo existem aqueles dois tempos – o passado e o futuro -, se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa de sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? Para que digamos que o tempo verdadeiramente existe, porque tende a não ser? (op. cit. p. 322, 2004)


Continuando sua argumentação acerca do tempo, Santo Agostinho levanta questões referentes à divisão entre passado, presente e futuro:
 

[...] dizemos tempo longo ou breve, e isto, só o podemos afirmar do futuro ou do passado. Chamamos “longo” ao tempo passado, se é anterior ao presente, por exemplo, cem anos. Do mesmo modo dizemos que o tempo futuro é “longo”, se é posterior ao presente também cem anos. Chamamos “breve” ao passado, se dizemos, por exemplo, “há dez dias”; e ao futuro, se dizemos “daqui a dez dias”. Mas como pode ser breve ou longo o que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o futuro ainda não existe. [...] O tempo longo, já passado, foi longo depois de passado ou quando ainda era presente? Só então podia ser longo (nesse momento presente), quando existia alguma coisa capaz de ser longa. O passado já não existia; portanto não podia ser longo aquilo que totalmente deixara de existir. [...] Vejamos, portanto, ó alma humana, se o tempo presente pode ser longo. Foi-te concedida a prerrogativa de perceberes e medires a sua duração. Que me responderás? Porventura cem anos presentes são muito tempo? Considera primeiro se cem anos podem ser presentes. Se o primeiro ano está decorrendo, este é presente, mas os outros noventa e nove são futuros, e portanto ainda não existem. Se está decorrendo o segundo ano, um é passado, outro presente e os restantes futuros. Se apresentarmos como presente qualquer dos anos intermediários da série centenária, notamos que os que estão antes dele são passados, e os que estão depois são futuros. Pelo que cem anos não podem ser presentes. (p. 333, 2004)


E, Santo Agostinho continua descrevendo a dificuldade de se tratar do tempo utilizando o exemplo dos anos, meses, dias e outras frações. Se o presente pode ser infinitamente divisível, pode-se dizer que deve haver um minuto em que será metade futuro e metade passado, e estes, nada são, pois um já foi e outro será? Agostinho conclui:

Se pudermos conceber um espaço de tempo que não seja suscetível de ser subdividido em mais partes, por mais pequeninas que sejam, só a esse podemos chamar de tempo presente. Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo, o tempo presente não tem nenhum espaço. (p. 324, 2004)

Se o tempo não tem espaço, como podemos afirmar a existência de algo? O fato da história está situado no passado que nem sequer existe? Como medí-lo? Como entendê-lo se não mais é, e foi, sumiu?

Mas não medimos os tempos que passam, quando os medimos pela sensibilidade. Quem pode medir os tempos passados que já não existem ou os futuros que ainda não chegaram? Só se alguém se atrever a dizer que pode medir o que não existe! Quando está decorrendo o tempo, pode percebê-lo e medi-lo. Quando, porém, já tiver decorrido, não o pode perceber nem medir, porque esse tempo já não existe. (p. 325, 2004)

Fica o fato condicionado ao relato de um historiador que nem sequer se sabe em que tempo está? Fica a História condicionada ao tempo que não é, já foi e encontra-se dividido entre o tudo e o nada?

Se existem coisas futuras ou passadas, quero saber onde elas estão. Se ainda o não posso compreender, sei todavia que em qualquer parte onde estiverem, aí não são futuras nem pretéritas, mas presentes. Pois, se também aí são futuras, ainda lá estão; e, se nessa lugar são pretéritas, já lá não estão. Por conseguinte, em qualquer parte onde estiverem, quaisquer que elas sejam, não podem existir senão no presente. Ainda que se narrem os acontecimentos verídicos já passados, a memória relata, não os próprios acontecimentos que já decorreram, mas sim as palavras concebidas pelas imagens daqueles fatos, os quais, ao passarem pelos sentidos, gravaram no espírito uma espécie de vestígios. Por conseguinte, a minha infância, que já não existe presentemente, existe no passado que já não é. Porém, sua imagem, quando a evoco e se torna objeto de alguma descrição, vejo-a no tempo presente, porque ainda está na minha memória. (p. 326, 2004)

Entretanto, Santo Agostinho não deixa seus pensamentos inconclusos. Trata de asseverar as dúvidas e dilemas que perseguem o historiador ao pensar em seu fato no tempo. Todavia, valida a mente do historiador como veículo de captação dos tempos e representação de fatos. Ou seja, a caracterização dos tempos depende majoritariamente do pensamento do historiador:

O que agora claramente transparece é que não há tempos futuros nem pretéritos. É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das coisas presentes, presente das coisas futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras. Se me é lícito empregar tais expressões, vejo então três tempos e confesso que são três.
Diga-se também que há três tempos: pretérito, presente e futuro, como ordinária e abusivamente se usa. Não me importo nem me oponho nem critico tal uso, contanto que se entenda o que se diz e não se julgue que aquilo que é futuro já possui existência, ou que o passado subsiste ainda. Poucas são as coisas que exprimimos com terminologia exata. Falamos muitas vezes sem exatidão, mas entende-se o que pretendemos dizer! (p.327-328, 2004)


E, quanto à tarefa que adquire a mente humana para caracterização dos tempos, define como necessidade o espaço. Mas novamente soma dúvidas e incertezas ao rol de celeumas do historiador:

Porém, que medimos nós senão o tempo em algum espaço? Não diríamos tempos simples, duplos, triplos e iguais ou com outras denominações análogas, se os não considerássemos como espaços de tempos. Em que espaço medimos o tempo que está a passar? Será no futuro, de onde parte? Mas nós não podemos medir o que ainda não existe! Será no presente, por onde parte? Mas nós não medimos o que não tem nenhuma extensão! Será no passado, para onde parte? Mas, para nós, não é mensurável o que já não existe! (p. 328-329, 2004)

Agostinho, portanto, brinda-nos com uma seara de dúvidas sob vasta penumbra, que torna ainda mais desafiador o ofício do historiador.


Referências:

Coleção “Os Pensadores”: Santo Agostinho. Nova Cultural: São Paulo, 2004.

http://teoriasdahistoria.blogspot.com.br/2010/10/santo-agostinho-e-o-tempo.html


 
 
 
 
 

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